Quais coisas podem ferir o narcisismo de um escritor que não se importa na sua mediocridade literária? Durante um bom tempo me achei inatingível aqui em baixo, escondido em falsas exposições no encontro com as milhares de pessoas que me conhecem e do olhar dos cinco amigos que às vezes perdem tempo me lendo. Mas 2008, ano que para mim não acabou quando começou 2009, que antes disso se agravou pelo meado do ano passado, e ainda perdura quase no décimo dia de 2010, me fez perceber que não. O que, entretanto, se constitui argumento central neste texto ridículo é uma enorme fonte de tortura para qualquer escritor, que me acometeu daquele tempo para cá: conseguir trabalhos em que tenha que fazer extensos relatórios burocráticos. A literatura não cabe nos relatórios. Como escrever sem produzir sons melódicos, sem insistir na letra "S", sem repetir palavras com explosivos sons de "p"? Como escrever sem falar que a amo, que o amor é uma merda, que o amor é uma maravilha, que o amor pode ser as duas coisas simultaneamente e nos enlouquecer com isso? Como escrever sem ironias, sem deboches, sem hipérboles, sem sarcasmos, sem metáforas, sem sacanear quem está lendo e quem se deu o trabalho de escrever? Como escrever sem falar de mim, da minha opinião, do meu suor que escorre constantemente, de como escovo os dentes antes e depois de tomar café de manhã, sem falar do meu próprio lindo umbigo? Castigo sádico a vida me reservou: dúvida entre ter que pagar as contas ou abandonar esses relatórios insuportáveis!!!