No ano em que fiz vestibular completava 40 anos do AI-5. Acreditávamos que esse poderia ser um tema das provas. Então incluí nos meus estudos filmes sobre a Ditadura Militar. Um dia assistíamos um na minha casa e meu pai acabou sentando na sala para assistir conosco. Ora, nem eu nem meu pai gostávamos de política, partidos, militância, etc. Queríamos apenas viver nossas vidas. Mas no meio de uma cena de tortura de um preso político meu pai me interpelou:
- Era isso que eles faziam com todos os comunistas que eram presos?- Sim.
Seus olhos estavam marejados. Depois da resposta retirou-se para seu quarto e eu fui vê-lo. Contou-me a história abaixo.*******
"Quando era garoto entrava sempre nas épocas de mangas e de goiabas no quintal no final da nossa rua, que era de um velho. Este homem saía de casa apenas para ir ao Mercado e voltar. Ninguém sabia o que ele fazia da vida, apenas que veio da capital para a nossa cidade já aposentado. Toda vez que o velho me ouvia catando mangas, goiabas, araçás, etc, saía da casa ao terreiro, e eu danava a correr para que ele não me pegasse. Um dia, porém, ele me viu na rua com minha mãe. Ela não gostava dele, virou a cara. Mas ele entrou em nossa frente e disse para minha mãe:
- Seu filho todo dia está no meu quintal pegando goiabas e quando me vê sai correndo.
- Pode deixar, ele não fará mais isso. - disse a minha mãe, já nervosa.
- Ora, ele não precisa correr quando me vê. A senhora acredita em Deus, então pense: se Deus fez o Mundo fez para todos os seus filhos, não para ser cercado por alguns e proibido para outros. Eu posso não acreditar em Deus, mas acho que eu não sou o dono daquelas goiabeiras, nem das mangueiras. Elas precisam ser de todos. Por isso, Dona, acho que as árvores são da terra e a terra é delas, e que seu filho assim como qualquer pessoa tem direito àqueles frutos...
- O senhor é mesmo estranho. Dá licença, estamos com pressa. Até logo. - minha mãe se desviou do caminho dele.
Depois disso minha mãe me proibiu de ir lá, dizendo que aquele velho era maluco e subversivo e que vivia cercado de outros subversivos que vinham da capital se esconder aqui. Algum tempo depois uns homens vieram buscá-lo e nunca mais o vimos. Meu pai me disse que eram homens da polícia. E eu não soube o que aconteceu a ele."
- Seu filho todo dia está no meu quintal pegando goiabas e quando me vê sai correndo.
- Pode deixar, ele não fará mais isso. - disse a minha mãe, já nervosa.
- Ora, ele não precisa correr quando me vê. A senhora acredita em Deus, então pense: se Deus fez o Mundo fez para todos os seus filhos, não para ser cercado por alguns e proibido para outros. Eu posso não acreditar em Deus, mas acho que eu não sou o dono daquelas goiabeiras, nem das mangueiras. Elas precisam ser de todos. Por isso, Dona, acho que as árvores são da terra e a terra é delas, e que seu filho assim como qualquer pessoa tem direito àqueles frutos...
- O senhor é mesmo estranho. Dá licença, estamos com pressa. Até logo. - minha mãe se desviou do caminho dele.
Depois disso minha mãe me proibiu de ir lá, dizendo que aquele velho era maluco e subversivo e que vivia cercado de outros subversivos que vinham da capital se esconder aqui. Algum tempo depois uns homens vieram buscá-lo e nunca mais o vimos. Meu pai me disse que eram homens da polícia. E eu não soube o que aconteceu a ele."
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Hoje, penso que o modelo de sociedade, que espero ajudar a construir, deve ser parecido com o que o velho disse: uma sociedade onde para começar as goiabas e mangas sejam das crianças que quiserem.