Os empréstimos de Borges
Eu tava já na ânsia de terminar com ela. Mulher ciumenta não dá pé. Custei suor e mais suor pra conseguir me separar de uma assim, lance de cartório, juiz e advogado. Agora que finalmente eu tava gostando de outra, na hora que a parada tá num clima de coisa sério, de compromiso, tipo rolando mesmo né, aí ela mostra as garras, ela entrega o serviço, desfaz a máscara e aparece a loucura varrida do ciúme. Ai meu Deus, maldita cina essa minha de me apaixonar por mulheres ciúmentas! Pensei: "Tenho que meter o pé! Ralar fora dessa porra de canoa, antes que me afunde de novo!" Mas como que eu ia sair dessa, se a mulher já tava pagando as minhas contas? Plano B - o ÓBVIO: Voltar ao trabalho. Ligação daqui, ligação de lá. Pede uma moral a um amigo, a outro. E passou quase um mês, até que o Césinha ligou avisando que tinha conseguido uma vaga pra mim como caseiro numa fazenda em Valença. "Porra, Valença! É o jeito né." Mas para ir para lá eram além das três horas de viagem, uma grana de passagem. Grana que eu obviamente não tinha! Então, inventei uma história de dor de dente, siso careado, coisa do tipo. Ela caiu e me emprestou uns cem contos, na época quantia significativa (com um real se comprova um quilo de frango). Aproveitando que ela nunca mais iria me ver, se Deus me ajudasse e ela não conseguisse descobrir onde eu me enfiei, pedi emprestado também alguns livros que eu sempre quis ler e nunca tinha tido tempo antes, incluindo uma coletânea com as obras completas do Borges. Naquela mesma tarde embarquei para a cidadezinha do sul do Estado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário